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“Auto de diligência à Capella da Irmandade de S. Roque erecta no edificio do Arsenal da Marinha, levantada pela Comissão Concelhia do Inventario, constituida nos termos do Artigo 63 do Decreto-Lei de 20 de abril de 1911.
Aos vinte e dois de agosto de mil novencentos e onze, pela uma hora da tarde, compareceram na Capella da Irmandade de S. Roque erecta no Arsenal da Marinha, os cidadãos Dr. Ernesto Carneiro Franco, administrador do segundo bairro, Afonso de Albuquerque Cabral da Silva, aspirante da Repartição da fazenda do mesmo bairro, representando o escrivão respectivo e Jose Julio Ferreira Bastos, presidente da Junta da Parochia da Freguesia de S. Julião, todos os tres constituindo a Comissão Concelhia do Inventario para nos termos do artigo sessenta e dois e seguintes do decreto com força de Lei de vinte d’Abril de mil novencentos e onze (Separação do Estado das Igrejas), procederam ao arrolamento e inventario de todos os bens mobiliários destinados ao culto publico da religião catholica.
Estando presentes os cidadãos Alexandre José Canuto, José dos Santos da Cruz Dias e Henrique Fernando Bastos, respectivamente Juiz, Secretario e Procurador da Irmandade, pelo primeiro foi declarado que / aquella estava legalmente constituida como constas do seu compromisso aprovado por carta regia de sete d’Abril de mil oitocentos e sessenta e cinco, e do alvará passado pelo Governo Civil em sete de Março de mil oitocentos e setenta e seis. Este compromisso cuja cópia impressa devidamente conferida, e rubricada vae junto a esta auto, tem um addicionamento de lado de um d’Abril de mil oitocentos e setenta e seis que anulla os seus artigos numeros trez; oito, dezasseis e vinte e um, e que egualmente vae appenso a este auto. Ouvidas estas declarações e verificada a sua veracidade, reconheceu esta Comissão, improcedente o arrolamento dos bens da irtmandade pelo que deu por terminada esta deligencia. Appensa vae tambem copia da narração historica da fundação, e instituição da Irmandade onde se relata, que após o terramoto de mil setecentos e cinquenta e cinco, D. Jose I autorizou a instalação da Irmandade dentro do Arsenal da Marinha, mandando-lhe fazer uma Capella. E para constar se lavrou este auto que depois de lido vae por todos assignado.
Ernesto Carneiro Franco
Jose Julio Ferreira Bastos
Alexandre Jose Canuto,
Jose dos Santos da Cruz Dias
Henrique Fernando Bastos
Afonso de Albuquerque Cabral da Silva.
[p. 175] Copia da Narração Historica
Fundação e Instituição da Irmandade do Glorioso Senhor S. Roque no se erecta Dentro do Arsenal Real de Marinha, D’esde o anno de 1755 pelo lastimoso successo do Terramoto que destruiu esta cidade._______________
Foi esta nova Irmandade do Glorioso Senhor S. Roque Instituida em confraria em o anno do Senhor em 1506, no reinado do Senhor Dom Manoel (de Felis Memoria), em cuja Epoca se reuniu a nossa corporação dos Carpinteiros da Ribeira das Náos e á sua custa edificarão huma Ermida a São Roque no sitio em que hoje se acha a Igreja da Santa Casa da Misericordia tambem dedicada ao mesmo Santo, em cujo sitio naquelle tempo se enterravão os que morrão feridos da Peste que então graçava na Cidade, onde fazião as funções do Culto Divino, e tributavão louvores a São Roque. E como no ano de 1553, com a permissão de el-Rei D. João o 3.º filho de el-Rei Dom Manoel, os Jesuitas fundaram / [p.175v.] a sua casa professa com a mesma invoçação e titulo de casa professa de São Roque, por consenções, que com eles fez, lhe foi entregue a mesma Ermida, que eles demoliram para fundar a grande Igreja, que ainda existe e de que está de posse della a Mizericordia de Lisboa. Com taes mudanças se Discordarao os Carpinteiros: e constando-lhes, q. no Convento do Carmo d’esta cidade havia huma Capella vaga, se concertarão com os Religiosos d’este Convento p.ª ali collocarem a sua Imagem de São Roque, e formarem Corpo de Irmandade, o q. effectuaram no ano de 1570 no Reinado de El-Rei Dom Sebastião e então foi que com o summo fervor, e devoção os Carpinteiros da Ribeira das Naos, d’aquele tempo, reedificaram, e como de novo fundarão, esta nova Irmandade usando já Capas pardas, e Murças pretas, como hoje tem, com tanta estimação de El-Rei, que entre outros muitos privilegios, que lhe concedeo foi um delles permitir-lhes seu Real Beneplacito usarem da insigne e Honrosa Legenda tal nas Reaes Armas tanto nas capas como em todos seus Estan / [p. 176] dartes: e formarão o seu primeiro compromisso, o qual lhe foi approvado em 9 de Dezembro de 1581, pelo Arcebispo de Lisboa Dom Jorge d’Almeida. Assim como também lhes concedeo sua Santidade em 1583 um grande summario de Indulgencias. E com tal fervor tratarão do culto Divino, e vivião com tanta fraternidade com seus Irmãos que consta da Cronica dos Religiosos do mesmo convento do Carmo ser a mais devota, e a mais rica Irmandade d’aquele tempo: e vivendo deste modo, ate ao anno de 1709, pelo muito fervor que tinhão pelo augmento do Culto Divino, e Caridade com seus Irmãos, pobres e doentes, que alcançarão por Beneplacito Regio expedido pela Meza de Consciencia e Ordens em 6 de Abril do dito anno, darem cada hum dos ditos Irmãos q. embarcassem em Galeras Mercantes 1500 reis para augmento e fundos da Irmandade, como tambem, se algum d’elles fosse Captivo de Mouros, o seu resgate correria por
conta da Irmandade. E como cada vez mais crecia a Devoção em todos /[p.176v.] os Irmãos, e igualmente o ardor da Caridade para com os seus Irmãos pobres, doentes e ao mesmo tempo conhecendo a escasseza da pequena pensão, com que contribuião não chegava para fazerem hum suficiente fundo, que pudesse com o produto dos seus Rendimentos suprir tão grandes despezas, novamente Requererão a Sua Real Magestade, para que em lugar de darem os ditos Carpinteiros 1500 reis, como ate alli davao, fosse a dita pensão levada á quantia de 4.800 reis, o que obtiveram por Provisão Regia, expedida pela Mesa da Consciência e Ordens em 5 de Março de 1715; e Confirmada e mandada cumprir pelo Conselho da Real Fazenda em 7 de Novembro de
1718; e por despacho do Provedor dos Armazens, do dito mez e anno, foi a 13 de Dezembro do ditto ano, lançado no Livro 19 do Registo da Corôa a folhas 132 Cuja pensão escrupulosamente pagarão sempre até ao fatal incendio do terramoto de 1755, em que á Irmandade lhe ficarão submergidos todos os seus bens e alfayas na referida Igreja / [p.177] do Carmo da Cidade; restando-lhe somente a Cabeça do Santo que poderão desenterrar e alguns pequenos fragmentos de suas alfaias, então os Irmãos que escaparão se verão em muito tristes circunstâncias: porem animados do fervor da devoção para com o seu Santo Protector, e da Caridade com que se amavão mutuamente correrão anciosos a El Rei Senhor Dom Jose Primeiro Feliz Memoria para a nossa Irmandade pedindo-lhe se servise de lhes mandar mandar edificar huma Capella p/a darem culto ao seu Santo. Ao que El Rei com sua piedade, e generosidade proferira de sua Real grandeza, não só lhes confirmou os Previlegios, até ali concedidos, mas lhes Mandou fazer huma nova Capella d’entro do Arsenal Reall da Marinha Expedindo Provisão pello Conselho da Real Fazenda em 22 de Fevereiro de 1756; a qual se acha registada no Armazens no livro da Corôa a fl. 46v. assim como a licença e Provisão do Ex.mo Senhor Cardeal Patriarca p.ª se dizerem as missas na mesma Capella expedidas / [p.177v.] no primeiro de Julho do dito anno; em a qual se tem conservado até hoje como he constante. Então foi tal o animo que cobrarão os Irmãos que todos principiarão a trabalhar no augmento da Irmandade com tanto zelo que edificava; pois que cada hum fazia o que podia, contribuindo huns com a Pensão de 4.800 reis pelos seus Embarques, outros promptificando os seu annuaes, dando outros dez reis por semana, outros requerendo e pedindo em beneficio da Irmandade algumas Multas que erão postas aos Mestres de fóra do Arsenal; finalmente outros com sua zelosa administração todos concorrerão p.ª o augmento da Irmandade; pois que além da Mercê que esta Irmandade recebeu de El Rei o Senhor Dom Jose 1.º do Donativo da Capella tão somente não consta que tivessem outros donativos mais que os adquiridos pelo mor e fadigas dos Irmãos: e como pelo fatal incendio do terramoto se lhes queimasse seu compromisso por onde se regulavão para seu exemplar regime, se reunião para formar nova lei que lhes servisse de governo na parte / [p.178] administrativa, tanto do culto divino como da Caridade, com seus Irmãos pobres e doentes, em cujas duas bases tinhão lançado os seus primeiros fundamentos: o que effectuarão, com tanta descrição, e puzerão em execução com tanto zelo, e boa consciencia que se torna quasi impossivel poder-se enumerar os beneficios que se prestarão, e as cousas que se destribuirão pelos seus irmãos pobres, e doentes; não faltando aos seus deveres religiosos, isto no discurso de sessenta annos que tantos, se constam d’esde o seu começo até ao fim de 1817, em que teve lugar o fazerem-se-lhes algumas emendas. Porem a honroza Meza, que servia, em o referido ano de 1817, vendo felizmente q. na referida epoca a Irmandade se achava com mais vigor para melhor socorrer aos Irmãos Pobres, levada a huma zeloza Justiça e Caridade se deu ao trabalho de expor aos votos da Irmandade hum plano de melhoramentos para socorrer a seus Irmãos pobres e doentes, designando-lhes certa pensão, que até ali era arbitraria, segundo as forças do Cofre / [p.178v.] e por isso havia a precisa igualdade pela incerteza da Receita e igualmente prestando-lhes Medicamentos e Cirurgião, tanto aos Irmãos como ás Irmãs Viúvas dos mesmos o que unanimemente foi levado à execução, e tão escrupulosamente cumprido que parece só a Providencia Divina e a Proteção do Nosso Santo Patrono nos poderia assim ajudar; pois que desde a referida Epoca de 1817 até ao fim de 1837 se tem gasto no soccorro de nossos Irmãos pobres a vultadas somas não faltando ao mesmo tempo ás funções do Culto Divino com grande decencia e pompa. Porem como é estes ultimos annos se tem diminuido os nosso Fundos em consequencia de se ter abolido a pensão de 4800 reis que pagavão os carpinteiros das Galeras mercantes, por Portaria do Governo datada a 13 de Março de 1836, de cuja Pensão provinhão os Fundos da Irmandade como tambem pelo grande prejuizo, que sofre a Irmandade, no desconto do papel moeda, pelo auge a que tem chegado a estes tempos, e nestes se lhes tinhão feito gran/ [p.179] des despezas com os nossos Irmãos Pobres, se tornou necessario o Fazerem-se algumas economias na Despeza; e que os Irmãos a soffrem, em algum piqueno abatimento, nas esmolas e em algum pequeno augmento nos annuaes. Por cujo motivo o Irmão Juiz, de acordo com a Meza convocou Junta Grande de Irmãos expondo á Irmandade a necessidade de se fazerem algumas emendas no Compromisso a fim de que com elas a Irmandade pudesse continuar a fazer tanto as suas funções Religiosas, como a socorrer a seus Irmãos pobres, o que teve lugar em 13 de Maio de 1838 sendo em o mesmo dia decidido pela Junta, que se encarregassem alguns Irmãos dos mais inteligentes no negocio da Irmandade para fazerem a dita reforma; a qual depois de feita fosse apresentada pelo Irmão Juiz em outra Junta no dia 1 do mez de Maio de 1839. E sendo unanimemente Approvado, foi lançado em o novo Compromisso o qual vae ao diante escrito em 24 Capitulos, com hum preambulo em que se mostra a necessidade da mesma.
Lei para bem se governar qualquer Corporação em Justiça e acerto.________
______________________Está conforme________________
Lisboa, 22 de Agosto de 1911
Pelo Secretário de Finanças
Affonso Albuquerque Cabral da Silva Amaral”
(Arquivo Digital, Ministério das Finanças - São Julião. http. 213.58.158.153/Arquivo-CJBC-LIS-LIS—AROOL—024/1/P24.html).