A herança cultual da Irmandade de São Roque está intimamente ligada ao sentir desta comunidade enraizada no fervor devocional a São Roque e na vivência espiritual intensa e suas manifestações artísticas que expressão uma sensibilidade religiosa. À volta da Capela de São Roque estabelece-se um lugar de encontro e de encruzilhada de emoções onde o protagonismo vai para São Roque, mas também para o culto a São Sebastião e a São Tiago.
É, no século XVIII, que as cerimónias se revestem de grande protocolo e aparato. A magnificência destas celebrações impunha a transformação do espaço da Capela de São Roque, cenografado por um “andador” contratado pela Irmandade, que tinha sob a sua responsabilidade a inserção dos elementos decorativos de grande porte: as colgaduras de damasco, as sanefas de estilo “romano”, em tecidos lavrados e guarnecidos a “ouro fino”, que adornavam as paredes do templo, dando sentido e equilíbrio ao conjunto da Igreja. Sobre o pavimento pétreo da Capela estendiam-se tapetes com padronagem de pássaros exóticos. As elegantes alfaias eram confeccionadas em tecidos riquíssimos de influência italiana ou em panos da Índia, com sebastos lavrados ou rendas «à romana», linhos aplicados nas toalhas de altar e frontais texturados e volumosos bordados a ouro e flores em matiz. Mais raras, mas igualmente sumptuosas, foram as encomendas cosmopolitas realizadas em França e em Itália. O esplendor da representação estende-se à ourivesaria com um conjunto de aquisições em prata, realizadas por ourives nacionais, especialmente para a liturgia e peças de aparato para as procissões.
A estética barroca influenciou a riqueza da indumentária e das jóias que adornavam o Santo (o resplendor, a cabaça em prata) e o Cão (a coleira com gizo em prata).
Dos diferentes conjuntos mandados realizar, destacamos um, pela qualidade das texturas em seda bordada a ouro, símbolo da luz divina, numa composição vegetalista de grande pormenorização, cujo efeito produzido é acentuado no contraste das cores dos tecidos base: vermelho para o peitilho e botas, branco marfim para o amplo manto e preto para o cabeção ou romeira. O volume destas vestes contribui para destacar a imagem de todo o retábulo, pondo em evidência a tranquilidade expressiva do rosto do santo.
No altar da Capela, a banqueta em talha prateada era feminilmente adornada com rosas da Alexandria, em cambraia. Todo o ambiente de penumbra do interior da igreja era cortado pela iluminação cintilante da cera das velas e da luz suspensa do tecto vindas dos candelabros de azeite.
A celebração Eucarística decorria acompanhada pela «música italiana e portuguesa», tocada com rabecas e trombetas, a partir de um coreto efémero construído para a ocasião.
Mas, o momento de Veneração especial é o acto de beijar e de tocar na Relíquia do Santo, para pedir protecção na vida quotidiana. A este acto presidia a Família Real - enquanto Provedores Perpétuos da Irmandade -, num acto devoto e peregrino, mas também de mecenas de muitos objectos sumptuários destinados ao culto a São Roque.
No final da cerimónia, os membros da Família Real, da Mesa da Santa Casa da Misericórdia, do clero e da nobreza eram distinguidos com a “medida de São Roque”, uma fita de seda cor-de-rosa, pintada com a imagem do Santo ou com a representação das letras «S. R.O. Q.U.E.» entre a representação do brasão e do cão com o bordão. Para o povo devoto, a Irmandade manda gravar o primeiro conjunto de gravuras do Santo, em 1775, oferecendo uma protecção e marcando a espiritualidade dos fiéis devotos.
A Irmandade da Misericórdia e de São Roque encontra-se empenhada em divulgar a sua história e, por esse motivo, realiza uma exposição de objectos cultuais e patrimoniais, que remetem para as raízes da sua acção espiritual ao serviço da família humana.