A Irmandade da Misericórdia e de São Roque, em estreita ligação com a Santa Casa da Mesiricórdia de Lisboa (SCML), acompanha o funeral daqueles nossos irmãos em Cristo que terminam a sua peregrinação terrena, sem familiares, amigos ou conhecidos, e que estariam destinados a baixar à terra sem terem ninguém que os acompanhasse com uma prece, um olhar, uma flor. Assim dá cumprimento a esta obra de misericórdia, “enterrar os mortos”, conforme decorre do seu Compromisso, e na forma que a evolução dos tempos e a realidade social vieram moldando.
Um grupo de Irmãos, Voluntários e Amigos da Irmandade, abraçou este Projecto, seguindo o ensinamento da Igreja - “Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo” (CIC § 2300) e lembrando Tobit, pai de Tobias que, com uma solicitude toda particular, sepultava os defuntos e os que tinham sido mortos (Tb 1, 20).
São diversas as motivações que originam a primeira oferta e o primeiro contacto. A saudade de familiares falecidos, a recordação de amigos que pelas voltas do mundo caíram no nosso esquecimento, a sensação pungente do ocasional contacto com um funeral não acompanhado, o puro apelo da compaixão, o desejo de ser coerente com o Compromisso da vivência das Obras de Misericórdia, motivações muito específicas e pessoais ou um forte apelo espiritual ou religioso, ditado por um acreditar no Mundo que há-de vir e na Ressurreição, prometida pelo Senhor Jesus.
Se as razões da adesão variam de acompanhante para acompanhante, há sempre um ponto comum que a todos une, um gesto de compaixão, de ternura, para aquele a quem, no final da sua vida terrena, faltou o calor humano da família, dos amigos, dos conhecidos.
Ao longo das experiências vividas há normalmente um aprofundamento reflexivo do puro acto de acompanhamento para uma maior vivência da realidade social que cria estas situações, bem mais frequentes do que poderíamos supor, porque vai longe o ambiente familiar das nossas aldeias e vilas ou dos nossos bairros em que seria impensável alguém falecer ignorado pela sua comunidade.
Com cambiantes diversos, não é uma situação de todo invulgar, aparecerem no último momento acompanhantes inesperados. Familiares que num primeiro momento não se quiseram denunciar, mas que o apelo dos laços de família acabaram por os empurrar a estar presentes, amigos ou simples conhecidos que, tomando conhecimento do funeral, sentem o desejo de manifestarem uma última solidariedade, lembrando, quantas vezes com um pesar manchado de remorsos, como o deixámos esquecido enquanto vivo. Companheiros de trabalho que as circunstâncias afastaram, mas que ao conhecerem o falecimento, tantas vezes de forma ocasional, porque os laços normais de relacionamento há muito tinham desaparecido, vêm trazer a sua saudade, recordar tempos passados, deixar uma flor, orar ao Pai do Céu, a bênção para o que partiu, o apoio para os que ficaram.
É para todos, crentes e não crentes, um momento de reflexão. O que é a vida, como a estou vivendo, para onde caminho?
Quando acompanhamos crianças, na sua “caixinha branca”, é difícil não nos deixarmos dominar por uma agitação interior, por sentimentos desencontrados de dúvida, de incompreensão, de dor. Também estes Senhor, agora nascidos e já abandonados? Recebidos na Tua Luz e na Tua Paz, sejam eles os nossos anjos no Céu.
A SCML ao suportar os encargos do funeral daqueles a quem a sorte e os revezes da vida abandonou, permite que sem qualquer distinção de raça, credo ou ideologia, todos possam ter um funeral digno do ponto de vista humano e espiritual.
A continuada presença da Irmandade, com a sua oração, pedindo perdão a Deus pelas faltas que o falecido possa ter cometido, e rezando para que Deus o guarde e lhe conceda a Paz eterna, celebra a dignidade da pessoa humana e reafirma o amor ao irmão em Cristo.
Terminamos com um forte apelo aos Irmãos e outros Voluntários para se juntarem a este grupo, e dentro das suas disponibilidades e de acordo com as suas sensibilidades e sentimentos, participarem nesta obra de misericórdia.