Quem viveu em gerações anteriores, fica impressionado com a mudança que se operou no indivíduo.

Naqueles tempos, o normal era as pessoas preocuparem-se umas com as outras, ajudarem-se se fosse necessário, participar com elas nas boas obras, estar atento ao que se passava à nossa volta, com os vizinhos por exemplo.

Hoje, a maior parte das pessoas vive a olhar para si própria.

Vive para a sua sobrevivência, para as suas rotinas de trabalho.
Sair de casa, ir para o trabalho, voltar para casa. Comer qualquer coisa, depressa, sozinho ou com o que lhe resta da família.
O que se passa com os outros? Paciência!
O vizinho não está bem? Sei lá quem é!
A política vai mal? Que se lixe!
O Presidente da Câmara é corrupto? Ora, até voto nele outra vez!
Como se chama a colega da caixa que trabalha mais acima? Sei lá!
E o nome da rua a seguir a esta? Olhe, pergunte ali ao lado!
Há, a seguir ao trabalho, aqui perto, uma reunião sobre coisas úteis para a vida? Tenho é que ir já para casa!
Serviço militar obrigatório, dar a vida pela Pátria? Querias!
O patrão não me dá o que quero? Vou para a greve e quem quiser que se amanhe!

Porque é que agora são assim?

Nem sei.

Julgo que lhes fez falta crescer numa família normal, com Pai, Mãe, Irmãos e Avós. Ou talvez porque não tiveram quem lhes ensinasse os valores e os bons sentimentos. Ou porque lhes faltou conviver com a Moral e a Religião.

Ou porque, ignorantes, cresceram a conviver com outros valores, outros sentimentos ou outras Religiões. E ficaram baralhados. E não foram capazes de tomar uma posição. E ficaram vazios.

Ou porque cresceram a ouvir dizer que o Estado-Providencia resolvia todos os problemas. E portanto não era necessário investir em si próprio, puxar pela cabeça, puxar pelo coração ou fazer sacrifícios.

Ficaram com cabeças que não pensam. Só querem!

O objectivo passou a ser viver e gozar a vida e, por isso, podia prestar-se, à vontade o culto aos novos deuses: o dinheiro, de qualquer maneira; o sexo à vontade e sem compromissos; a droga (porque não?); as almoçaradas; o futebol; o euromilhões e enfim, toda a galeria de prazeres que os deuses menores apregoam.

São felizes? São mais felizes que os cotas de antanho? Não sabem. Nem lhes interessa.
Aceitam o vazio como coisa natural.

Mas não é.

Um Povo, uma Nação não é um somatório de indivíduos a olhar para si próprios.

É uma comunidade. Tem valores próprios e diferentes dos dos outros Povos e Nações. São valores vividos e defendidos em comum. O que acontece ao próximo, importa a cada um dos seus.

Nós na, Irmandade, preferíamos sentir esta comunidade como uma comunidade de Irmãos.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, é (como deve ser) uma comunidade de irmãos.

Foi criada, há mais de 500 anos, por amor a Deus e por amor ao próximo. Então, um grupo de homens bons e afortunados, juntou-se para mitigar o sofrimento do próximo que sofria. E usavam capuz para que não se reconhecesse o rosto de quem fazia o bem. Iam à procura dos famintos, dos enfermos, dos nus, dos sedentos, dos presos e dos mortos (para os enterrar). Cumpriam sete obras de Misericórdia espirituais e sete corporais.

Hoje, este apoio aos necessitados, em Lisboa, cabe principalmente à Santa Casa. Os homens de capuz são agora cerca de 5000 trabalhadores, organizados, com as suas chefias e estatutos e mais de cem instalações espalhadas na Cidade.

Mas o espírito é o mesmo. E é o contrário da indiferença.
É a preocupação pelo bem estar do próximo.
A sua missão é estar atento e intervir. É, tal como então, levar as Obras de Misericórdia aos que delas precisam.

A Irmandade saúda a coragem e a clarividência dos Governos que desde 1991, apontam à Santa Casa este mesmo caminho “...exercer a sua acção do acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade...”

Cabe, assim, às Mesas da Santa Casa planear e desenvolver as actividades da Misericórdia conforme este ideário.

A Santa Casa deve funcionar como a fortaleza onde a indiferença não entra, e donde deve sair a força para combate-la.

Irmanada nesta missão, está a Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa. Nos mais recentes Estatutos da Santa Casa (Dezembro de 2008) atribui-se à Irmandade a enorme tarefa:” à Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa compete, para além da tutela do espírito cristão que enforma a acção da SCML...”

Pretende-se que a perenidade da Irmandade seja a garantia de que a constante mudança das Mesas da Santa Casa, ao sabor das mudanças da politica, não perturbe o caminho pentacentenario da Santa Casa, na respeito da sua matriz cristã e do seu ideário de amor ao próximo, sua única razão de existir.

É assim que a Irmandade assume a sua parceria institucional com a Santa Casa.

É, assim que, em conjunto, nas áreas onde nos movimentamos, pretendemos terminar, com a indiferença das gerações e conseguir preencher o seu vazio, com os valores da eminente dignidade da pessoa humana, como Cristo nos ensinou.