1 – A comunicação social mostra-nos todos os dias, com requinte, a tragédia que se vive por todo o lado.
Na Europa, o terrorismo e o drama dos refugiados.
No Médio Oriente, não há um lugar em paz.
A Turquia, bate-se em diversas frentes, umas externas outras internas, numa política ambígua de islamização ou talvez não.
Em África, na maioria dos Países, voltou-se ao tribalismo. Dantes era de arco e flecha, agora de Toyota e Kalachnikov.
O Paquistão, para além do conflito que mantém com a India por causa de Caxemira, vive em constantes conflitos internos e actos de terrorismo, numa permanente violência.
Na Indonésia e nas Filipinas, a luta é entre grupos internos, chefiados por “Senhores da Guerra”, sem qualquer ideologia.
Na América Latina, a Colômbia, a Bolívia e o México são exemplos da fraqueza do Estado em manter a Paz e a Ordem, o que se traduz em muitos milhares de mortos.
2 – Este não é, certamente o espectáculo expectável para uma Humanidade que vai no Terceiro Milénio em que o Homem se dedicou, pela Fé a seguir religiões com seriedade, ao mesmo tempo que se envolveu, com a mesma seriedade, em busca do conhecimento.
Hoje, a soma e os avanços do conhecimento são enormes. O Homem já foi à Lua e já enviou um engenho a Marte.
Mas não foi isto que trouxe a Paz aos homens, nem o seu bem-estar e felicidade.
3 - Neste esforço de milénios cometeu-se um pecado original.
O Homem compõe-se de Corpo e Espirito. Tal como numa estátua a forma é indissociável do mármore, no Homem o Corpo e o Espírito são também indissociáveis.


O conhecimento progrediu muito no que é visível, palpável, mensurável, comparável. Do Homem conhece-se já muito do seu corpo e de algumas relações com o seu espírito.
Mas deste pouco se sabe.
4 – Daqui resulta que aqueles que têm tido o Poder de ditar regras para impor aos homens a forma como se devem comportar, em sociedade, estão a fazer regras para seres que não conhecem.
Não sabendo, conjecturam. Só que a conjectura é inconsistente. A base é imaginária. Não corresponde a qualquer realidade medida, comparada, testada e, por isso, indiscutível.
São deslumbramentos intelectuais de quem as visiona.
Foi assim com a Revolução Francesa e com o Comunismo.
E o Homem anda à mercê das conjecturas deste ou daquele visionário que substitui uma ficção por outra, com os resultados que temos à vista.
5 – Ao longo do tempo, a vida do Homem mudou muito.
Hoje, vive sob a pressão da indústria, que precisa de aumentar constantemente a sua produção, da actividade frenética dos publicitários, que inventam novas necessidades resolvidas por novos produtos, por fim, pela concentração urbana nas cinturas das grandes cidades.
A monotonia do trabalho nas fábricas, a arregimentação da vida quotidiana de casa para o trabalho e vice-versa; a visão maciça de filmes estúpidos e a assistência embevecida a espectáculos que vão do excêntrico ao alienante, foram matando a criatividade do Homem e a possibilidade de ter uma visão serena das coisas.
Pior.
Foi desinteressando o Homem pelas coisas do espírito, pelo senso moral, pelo sentido religioso da vida, pela destrinça entre o Bem e o Mal.
Numa palavra talvez demasiado cruel, a maior parte da Humanidade está hoje embrutecida.
6 – Falta pois, estudar a outra parte do Homem, a mais difícil: o seu Espírito.
Mas o Espírito do Homem precisa de mais que estudo. Precisa de alimento.
A Espiritualidade é uma coisa a que o Homem sente necessidade de aceder.
Nada pior que secar-lhe este anseio.
Importa, pois, que os progressos do conhecimento apontem agora para o estudo da outra parte do Homem, de modo a conhecê-lo no seu todo, na sua Unidade.
Depois, a Humanidade avançará com passos mais seguros.
7 – A nossa Irmandade acompanhou esta evolução nos últimos cinco séculos.
Quando foi instituída, vivia-se no Primado do Espírito, e a Fé imperava. Naquele tempo, tal como hoje, vivia-se na ignorância do Homem, na sua Unidade e, por isso quantas vezes o seu corpo foi sacrificado às conjecturas de uma Espiritualidade e de uma Fé pouco esclarecidas. Foi assim com a Inquisição.
A Irmandade chegou ao IIIº Milénio tão enfraquecida quanto as demais instituições religiosas.
Dedicada às Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, demonstrava que o Homem era Corpo e Espírito. Mas, no terreno, não mantinha a sua unidade: definia separadamente cada uma.
Em 2004, um grupo de Irmãos tomou-a nos braços e soergueu-a da letargia em que se encontrava.
E, em 2006, os Irmãos, na sua totalidade, tomaram uma deliberação a que não hesito chamar de histórica. A Irmandade dedicar-se-ia apenas às Obras de Misericórdia Espirituais.
Deu mostras de, talvez mais por intuição que por saber, que o problema maior do Homem, nos nossos tempos, era o desconhecimento e a falta de respeito devido ao Espírito que vive indissociável ao Corpo. E que na Unidade do Homem o primado é do Espirito.
Somos, nestes tempos em que o Homem vive para ter coisas, cada vez mais coisas e mais prazeres, e que para isso não há regras nem limites, em que foi mantendo na gaveta o seu senso moral, a Fé esclarecida, o amor ao próximo, o respeito pela Vida, em que o Bem e o Mal deixaram de ter interesse e a corrida ao dinheiro é desenfreada, somos uma luz acesa da Espiritualidade.
Somos um sinal de lucidez.
E isso dá-nos, a meu ver, uma responsabilidade incomensurável.
8 – Não somos os únicos em Portugal, na Europa e no Mundo que se dedicam ao Primado do Espírito.
O Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.
O conhecimento já atingido dá-nos uma noção da enorme complexidade que é a composição do Corpo e do seu funcionamento.
Mas do Espirito, que não é visível, palpável, mensurável, comparável e dominável, o pouco que se conhece, deixa adivinhar uma complexidade maior. Talvez por serem já pegadas nos caminhos da Transcendência.
A tarefa de o Homem actual procurar conhecer a Espiritualidade do Homem, será gigantesca e envolverá meios nunca reunidos até hoje.
Diz-se que a Fé move montanhas. Esta é uma delas.
9 – Chegados aqui, interrogo-me: será que os meus Irmãos pensam como eu?
Será que concordam que a Humanidade, por não se conhecer a si própria, nem aos Homens que a formam, vai por caminhos errados, direita à sua desintegração?
Será que concordam que a tarefa a realizar é corrigir a rota e procurar conhecer como é, na realidade, o Homem concebido à Imagem e Semelhança de Deus?
Será que sentem a inquietude de nada se fazer para isto?
Será que acreditam, que, apesar da magnitude da tarefa, ela não é utópica?
Se assim fosse, todos juntos poderíamos ser um começo.
Tal como nas primeiras Cruzadas, iriamos reunir outros que já hoje se dedicam à vocação espiritual e comunguem também desta inquietação. Trocar ideias e principalmente dar os primeiros passos. Sair do nada e procurar chegar aos centros de decisão que impõem aos Homens a conduta que deviam observar, na sua vivência em comum.